quinta-feira, 30 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo XII - "fake"

tem um tal de Artur Oswaldo Pimenta neto, que não sai do meu pé. Êta homem mais grudento... infelizmente, não se trata de amor, paixão ou labareda... puramente o cumprimento da lei. Se me quisesse beijos, abraços, cafunés e sussurros ao pé do ouvido... estaria eu, pronta a atendê-lo! Mas o que quer de mim, não posso dar... ao menos não por livre e espontânea vontade... assinatura minha, Artur Oswaldo Jamais terá... Não estou ciente de prazo de despejo algum!!
Algumas manobras tenho feito para não encontrar Artur Oswaldo... telefone, não atendo mais. Já avisei Das Dores, a vizinha de mamãe, que se alguma coisa acontecer, se mamãe tiver um aneurisma, uma embolia, precisar de alguma coisa ou apenas quiser falar comigo, que ligue para o Piscina Lazer e Cia. Já não posso mais sair no horário de sempre. Saio de casa duas horas antes por precaução... e ainda faço uma média com Sr Telles: trabalho é o meu nome!, Cléverson, o porteiro do prédio, é “parceiro”. Semana passada foi assim: ... sinhô dotô, ela num sincontra não sinhô... foi bem lá pras banda de minas...”, e ontem: “... ô sinhô dotô, ela bem foi visitá a tia lá pr’aqueles canto lá de Perequê...”
Todos os artifícios de que disponho já foram utilizados. Artur Oswaldo já descobriu que saio duas horas antes, não me liga mais, nem dá papo para o porteiro.
Se sou eu quem está sendo despejada, basta que “eu” não seja “eu”. Vovó ficou careca e sem sobrancelhas muito cedo. Muito gentil da parte dela me incluir em seu testamento. Após seu falecimento, recebo uma caixa de papelão lacrada com múltiplas fitas daquelas que grudam e não desgrudam por nada nesse mundo... bem, recebo como herança, um porta-retrato de metal vagabundo, um urinol e sua peruca... vovó nem imaginava o quanto me seria inútil o porta-retrato e o urinol... mas o quanto utilíssima seria a peruca neste momento de minha vida.
Bastou a peruca, um batom forte, uma almofadinha na bunda... Artur Oswaldo, com seu terninho de oficial de justiça, entra no elevador e eu saio. Simples assim! Pelo jeito, estou irreconhecível.
No ponto de ônibus, tudo tranqüilo... Gostosa!, grita um rapazinho que passa de bicicleta. A moça sentada até que é jeitosinha... Dá eu aí nessas carne?!, agora o elogio vem da rapaziada logo ali na obra do prédio ao lado. A carne sou eu? Eu?!
O ônibus chega. O trocador acaricia meus dedos ao me entregar o troco. O careca duas cadeiras atrás me fala obscenidades. O rapaz com fones de ouvido e pastinha de “boy” nas mãos me lança olhares estilo “míope”... Caramba! Tô agradando!
Desço do ônibus e no caminho para o Piscina Lazer e Cia, paro numa daquelas boutiques que vendem de “um tudo”. Cílios extra volumosos, cola para cílios extra volumosos, peitos de silicone, sandália dourada salto dezessete, “make-up” completo... tudo pago com chequinho “seja o que Deus quiser”.
Do quartinho do Piscina Lazer e Cia para o mundo... uma nova mulher! Nunca pensei que a velha peruca de vovó fosse para mim, o início de uma nova era!
Dou uma voltinha pelo pátio... Esses peitos cinqüenta e dois agora pertencem a mim! A nova bunda me inclui no “hall” das brasileiras genuínas! Como é gostoso ser gostosa... Ah, se Ademar me visse...
O rapaz ali sentado na beira da piscina disfarça, mas sei que ele me quer... o poder a mim instituído pela peruca de vovó, ordena que siga seus instintos, rapaz!
Um dedinho chama e todo o corpo do rapaz atende. Ele verifica se ninguém nos observa e me segue até o outro lado das árvores do gramado.
Agora sim há labareda, beijos, abraços, cafunés, sussurros ao pé do ouvido e “cositas más”.
Que vitalidade tem o rapaz! Percebo que a peruca de vovó voa longe... sinto que um de meus cílios fica preso no sovaco do rapaz... sinto também um calor intenso nas costas. Não pela “labareda”, mas por minha brasileiríssima bunda que agora se instalara bem acima dos rins. Estaria eu me desfazendo?!
No instante em que tudo ia bem, o rapaz pára e me olha muito desconfiado. Um de meus peitos cinqüenta e dois estava agora grudado a sua testa. Eu, toda desconjuntada, me desfazendo. Ele, pisando na peruca de vovó, arrancando o peito da testa, com cara de indignação...
O rapaz sai, me deixando ali, frente a frente com meu eu verdadeiro. O “eu” que em algum momento, será obrigado a assinar a carta de despejo e fazer a vontade de Artur Oswaldo. Ei! Me espera! Nem tudo é “fake”!

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Assista a seguir, filme de trecho do capítulo:


quinta-feira, 23 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo XI – eu eternizada

tenho pensado muito em Ademar... a última semana foi morosa, sem nenhum afogamento após o episódio da “senhora de todas as santas”, nenhuma mulher estatelada se lambuzando de blondor, nenhum entregador de pizza... nem mesmo não-Ademar...
Tenho realmente pensado em Ademar... Como seria minha vida hoje, se estivesse casada com ele? Teria no mínimo quatro filhos, não estaria sendo despejada, teria uma carteira de dinheiro, com dinheiro dentro... e fotinhas 3X4 de toda a prole dentro daqueles plastiquinhos, tão difíceis de se achar hoje em dia.
Penso também, que na mesinha de cabeceira ao lado de Ademar, teria minha foto, vestida de noiva, deixando aparecer meu rosto pendido, dentre flores do campo de meu bouquet. Em seu escritório, foto minha de férias em Porto Seguro... Em seu protetor de tela, no computador, eu, estendida numa pedra de uma cachoeira, quando acampamos na Serrinha... No chaveiro de casa, meu rosto pequenino apoiado suavemente numa rosa vermelha... Na porta da geladeira, eu, numa carroça puxada a boi, no hotel fazenda, nas férias de julho... na estante da sala, em cima do piano (com certeza teríamos um piano), no passa prato, dentro do armário, na escrivaninha do escritório... eu, eu, eu!
Viro minha luneta ao contrário e vejo meu rosto refletido na lente. Ninguém me tem! Ninguém me tem! Uma fotinha que seja... preto e branco ou amassada, digital ou Polaroid... chego à triste conclusão que sou só.
Já escutei por aí, que a fotografia eterniza o momento. Eu, uma brava guardiã de piscina, não seria eternizada por ninguém... seria esquecida, pois não havia quem quisesse uma foto minha. Nem mesmo mamãe.
Quando uma lágrima extremamente salgada acabara de percorrer minha bochecha e já escorria pelo canto da boca, ouço sons estranhos. Me parece conversa entre marcianos. Trroulevous trrébian monamurrr jevébian lafotô... Estarei eu enlouquecendo? Perdendo os sentidos? As pessoas falam e não compreendo nada! Serei trancafiada num manicômio e esquecida, nem uma foto para contar história, comprovar que eu, o banco alto e minha luneta realmente existimos.
Desço rapidamente de meu banco alto. Continuo a escutar pessoas falando e não compreendo nem mesmo uma palavra... Iltravaialapost quésquevuvulêalê mafême. Me sinto desorientada e ponho a mão na testa, verificando a temperatura.
Vejo Sr Irene do outro lado da piscina funda arriscando passos de rumba. Avisto Kleber, o rapaz da faxina. Me aproximo dele. Ele olha para mim com seu olhar nordestino bem normal e começa a falar: Viuaíquiojenumtemistura êtadiretômarmãodivaca quinemumtikdá sómarmitasemistura émacarrãocumovoesó!
Eu estava mesmo enlouquecendo! Nada que Kleber dizia fazia sentido para mim... Sr Telles, o diretor, cutuca o meu ombro... Viu que chique? Até francês agora freqüenta o Piscina Lazer e Cia, fique de olho para que este casal seja muito bem recebido, a divulgação de nosso clube no exterior é de extrema importância para nós... dá status!
Eu entendi! Entendi tudo, tudinho que Sr Telles disse... então não são marcianos, são franceses...
Uma mulher loura e bonita, de pele muito branca e língua enrolada no “erre”. O homem devia ser muito branco, mas no momento, estava tostado de tanto sol brasileiro.
Uma máquina eternizadora! Uma moça, mais jovem, talvez filha, sobrinha ou amiga, tira fotos do casal...
Chego de mansinho e tento me posicionar próximo ao casal. Se mamãe ou Ademar não me tem aqui no Brasil, alguém me terá então na França! Deseternizada é que não ficarei!
Me aproximo sorridente. O casal percebe que estou ao seu lado e se afasta. Só de pensar em minha imagem eternizada pela Europa, me sobe um frisson incapaz de me fazer desistir...
Tento um outro ângulo. O moço torrado de sol parece se incomodar com minha presença e puxa sua francesa pelo braço. Tento uma investida mais agressiva. Num salto abraço os dois, em simultaneidade com o click que me fará eterna enquanto estampa!
O casal monamur se cansa e se senta. A mocinha com a máquina em mãos pensa que me engana.
Percebo o ângulo da máquina e sento numa cadeira, logo atrás do casal simpático. Tenho cara de “tô nem aí” e observo, muito interessada, os urubus sobrevoando a montanha logo ali... Click!
Ao menos uma certeza eu tenho. O nariz e parte do queixo de uma brava guardiã de piscina serão eternizados pelas bandas da Z’oropa!


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Assista a seguir, filme de trecho do capítulo


quinta-feira, 16 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo X – o reco-reco dos meus sonhos

moça, moça! Ajude minha mãe, ela está se afogando! Chama ao pé de meu banco alto uma mulher muito nervosa. De pronto, desço e mergulho na piscina funda. Percebo o quão vigorosas e ritmadas estão minhas braçadas. Avisto o alvo. Uma senhora com apenas os olhos e a testa acima da água, pede socorro com as sobrancelhas...
Me aproximo, envolvo um de meus braços em seu pescoço e encaixo a mão debaixo de seu sovaco, ou pelo menos tento, pois meu braço não tem “circunferência” suficiente para envolver tal alvo corpulento. Percebo que o corpanzil da mulher demora a sair do lugar. Com o braço livre, tento repetir as braçadas vigorosas com que rapidamente cheguei ao alvo. Esforço inútil.
Vejo que a mulher respira normalmente e conversa comigo, enquanto evoco todos os poderes de “Grayskull”... Minha filha, ainda bem que você apareceu... por Santa Cecília e Santa Terezinha!! Que seria de mim sem uma salva-vidas como você... Falei com Gláuce que senti hoje pela manhã, que minha coxa parecia mais rija... é a danada da câimbra... POR SANTA EFIGÊNIA! Juro por tudo que há de mais sagrado que como duas bananas amassadas com aveia no café, todo santo dia... Não há potássio que me livre dessa agonia... Santa Maria mãe de Deus que Aristidinho preveniu... Ah, minha Santa Eufrásia que Emília e Didinha também já tinham avisado que esse negócio de piscina e câimbra num se juntam...
Incrível o fôlego de meu alvo! Eu já havia feito todas as técnicas de respiração alta, média, baixa, passando pelas três faixas, estilo cachorrinho e estilo boca e nariz juntos... Graças a todas as santas evocadas por aquela senhora, encosto meus dedos exauridos na borda.
Tento empurrá-la para fora da piscina. Em vão. Move-se três centímetros acima e de volta todo o corpanzil abaixo. Ponho as mãos da senhora segurando na borda e resolvo tentar minha técnica “míssil”. Prendo a respiração e nado até o fundo da piscina. Encosto os pés paralelos no chão, encolho as pernas e vuuuul! Me impulsiono diretamente para as nádegas de meu alvo... Ela, profere um singelo “ui” e continua estática. Eu, dou um grito de horror que se transforma em bolhas embaixo d’água e subo novamente em busca de ar desesperadamente.
Já passô, já passô a danadinha da câimbra... se preferir posso sair sozinha... Diz a senhora já colocando os pés nos estreitos degraus da “pobre” escadinha de alumínio. Faz essa gentileza!, Respondo com certo ar de derrota.
Vejo de longe que a filha abraça a mãe e a seca com uma toalha.
Ainda recobro o fôlego quando a filha se aproxima. Agora, percebo que seu rosto me é familiar. Muito obrigada, você salvou mamãe!, Diz ela me estendendo o braço definido.
Não só o braço é definido e definitivamente capaz de acenar para todo um batalhão da guarda militar, sem que uma balançadinha afete seu humor; mas todo o seu corpo. As pernas parecem coxas peladas e cruas de codornizes, com feixes de músculos saltitando com seus movimentos. A barriga... ah esquece o tanquinho! Falo de um imenso e poderoso reco-reco de pura madeira maciça... minha barriga está mais para cabaça de berimbau... Mas que droga! Quero esse reco-reco pra mim...
Não lembra de mim? Fomos da mesma turma na faculdade de Educação Física... Tá lembrada? Da Universidade Santa Luzia de Lavrinhas... Como um soco no estômago! Obvio que eu me lembrava de Gláuce, só não queria que fosse verdade. Eu, uma totalmente “desmuscularizada” e inteiramente incapaz de dar “tchauzinho”, frente a frente com o meu sonho de consumo... infelizmente sob o poder de Gláuce.
Na época de faculdade, eu tinha músculos definidos tal qual Gláuce. A partir deste exato momento, às onze e vinte e três da manhã, tudo que farei, será em prol de meu corpo perdido.
... O banco alto torna-se um moderno equipamento multifuncional... trabalho bíceps, tríceps, panturrilha e parte interna da coxa... Up, up! É preciso correr, correr e correr ao redor da piscina rasa...
O diretor, Sr Telles, nem pode reclamar, já que meu trabalho está sendo feito. Apenas não desperdiço nem um momento sem me exercitar. Depois de tirar folhinhas e pequenos insetos da piscina com a enorme peneira, aproveito e a utilizo como alteres... Latinhas e garrafas jogadas pelo chão? É pra já! Pernas esticadas, corpo alongado... e um! Já estou próxima à latinha de refrigerante jogada ao chão... e dois! Pego a latinha... e três! Me direciono para a lata de lixo... e quatro! CESTA! Latinha na boca do latão!!
Ai chega... Gláuce que fique com seu reco-reco... Cansei...

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quinta-feira, 9 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo IX – bunda no braço

Hoje o vento não sopra, arrota um bafo quente e seco. O calor está mais intenso que ontem, que anteontem e que ante-anteontem.
Mesmo aqui em cima no banco alto, não há brisa. O guarda-sol parece não conter os raios e sinto o sol queimando o topo da cabeça. O suor me desce o rosto e respiro com dificuldade. Abro e fecho os dedos dos pés para refrescar.
De luneta em punho executo meu serviço habitual. Observo banhistas dentro e fora da piscina. Crianças brincam para lá e para cá. A moça que costuma se lambuzar de blondor na beira da piscina, hoje está tranqüila, arrancando pêlos da virilha com pinça.
É interessante. Tem dias em que as pessoas parecem tão normais... Passeio minha lente entre os associados e por todo o pátio. Ôpa! Vejo uma coisa estranha... Volto minha lente procurando o que vejo, sem acreditar. Perdi! Perdi!... Aha, achei! É inacreditável... como alguém teria coragem?
Não, deve ser o calor na cabeça que começa a me fazer delirar... A nécessaire está aqui em cima e resolvo colocar minhas lentes para astigmatismo. Tenho certeza, com lentes, perceberei que o que vejo não é o que realmente vejo!
De lentes e luneta, foco novamente na “coisa” inimaginável. Infelizmente continuo a ver o mesmo. Ainda sem acreditar, coloco também meus óculos de grau. Quem sabe um acúmulo de mesmas funções não consiga me ajudar a ver que o que vejo, não é verdadeiramente o que vejo?
Negativo. Ainda está lá, movimentando-se vagarosamente, sem pressa alguma... Um despautério!
Devo ter uma lupa em algum lugar por aqui em minha nécessaire... Achei! Sabia que além de queimar formigas, ainda encontraria alguma utilidade para ela!
Lentes, óculos, lupa e luneta. Sou mesmo uma pessoa descrente. Preciso tentar, com até o último recurso, ver, que o que eu vejo, repetidas vezes, não é o que vejo...
É. É realmente, verdadeiramente, indubitavelmente uma bunda branca, bem no foco de minha luneta.
Dou um giro com minha lente e vejo que ninguém se espanta. Mais espantoso que uma pessoa estar de bunda de fora num clube familiar, é não existir mais espanto entre as pessoas que vêem um indivíduo de bunda de fora num clube familiar.
Daqui de cima, não enxergo a bunda sem luneta. Preferia advertir um milhão de buços descolorando que uma única bunda de fora.
Desço de meu banco alto e chamo o segurança para me acompanhar na empreitada. Enquanto andamos, penso em como abordar uma bunda passeando livremente. Senhor, sua bunda está de fora... ou, o estatuto do Piscina Lazer e Cia prevê como contravenção, deixar à mostra suas partes traseiras abaixo do Cox e acima das coxas... ou, senhor, sei que o calor está quase insuportável, mas temos crianças no recinto...
Dou algumas voltas pelo pátio e pareço perder o alvo de vista. O segurança me segue e me olha estranho, sem entender por que fora chamado.
Não é possível! Eu vi, através de quatro lentes, glúteos brancos e totalmente desinibidos...
Ponho a luneta no olho direito e tento localizar a bunda. Aháá! Grito, assustando o segurança, que ri, mostrando pilastras de cuspe nos cantos da boca.
Achei a bunda! A enorme bunda há poucos metros de mim e do segurança. Sigo olhando através da lente e andando a passos curtos. Não perco a bunda de vista nem um segundo.
Acho que estou bem perto. Por que o segurança está tão quieto? Já deveria ter reagido diante tal obscenidade! Estou bem próxima do alvo extremamente branco. Resolvo, não sei por que cargas d’água, tardiamente, descer vagarosamente minha lente. Ao movimentá-la para baixo, vejo um antebraço, uma mão e um rosto expressivamente atônito apoiado nela. Geralmente, o que viria logo abaixo de uma bunda, digamos, num corpo normal? As pernas... Aqui tenho um antebraço e um segurança me olhando irritado.
Retiro do olho minha luneta e percebo que estou quase no colo de um senhor de óculos, bigodes, muitos quilos e um braço dobrado abaixo da cabeça, tentando relaxar numa espreguiçadeira.
Desculpe-me senhor! Apenas verificação de rotina... pensei, por um instante, que seu braço dobrado fosse uma bunda branca...
O senhor do braço não deu queixa na diretoria, talvez por que fosse obrigado a mencionar “bunda”. Quanto ao segurança, fui obrigada a sair com ele em troca de silêncio... Ai banco alto querido, até pilastras de cuspe eu enfrento para manter-me ao teu lado...

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo VIII – vai que eu te salvo

o que quer que eu faça é nele que eu penso... Desde o episódio de não-Ademar, que não aplaco minha enorme vontade de beijar boca de homem. Observo do alto de meu banco, através de minha luneta – feliz da vida com meu novo uniforme. Tudo parado aqui por fora e um rebuliço enorme aqui por dentro...
Para variar, minha única possibilidade a curtíssimo prazo de beijar na boca é salvando alguém.
... Vejo através de minha luneta que só há dois espécimes masculinos no momento por aqui. Sr Irene e um homem na casa dos cinqüenta, de óculos, calças jeans e camiseta. Sr Irene já teve sua cota de salvamento, me resta o outro.
Para salvá-lo de afogamento preciso, ao menos, que ele esteja dentro d’água, mas o livro que ele lê compulsivamente parece muito mais interessante que água.
Me aproximo assim, casualmente. Estou há um metro e meio e ele nem me percebe.
Resolvo puxar conversa. O que está lendo? O homem levanta os olhos do livro e responde: No Caminho de Swann, já leu? Ao todo li uns três livros na minha vida, mesmo assim por que fui obrigada na escola. Já sim... é do mesmo autor de O Alquimista, não é? Chutei pessimamente mal. Não, eu estou lendo Proust, ele responde com cara de enjôo. Caramba, este deve ser um desses autores novos de quem nunca ouviu falar...
Tudo bem, o início de nossa conversa foi bola fora, admito. Mesmo assim continuo, já que meu objetivo é fazer com que ele largue o livro e entre na piscina.
O sol está lindo hoje, não vai dar um mergulhinho? Ele me responde negativamente balançando a cabeça. Continuo querendo ser engraçadinha: Tá de calças jeans por quê? Escondendo micose?... Desta vez, nem obtenho resposta.
Olha, a água está deliciosa, na temperatura ideal para umas braçadas... O homem fecha o livro e olha para o chão. Não sei nadar, ele responde. Fico uns bons vinte minutos convencendo-o. Digo que isso não é empecilho para se deixar de curtir um bom banho, já que há a piscina rasinha para bebês... que seria o mesmo que se afogar numa bacia... e que se alguma coisa fugir ao controle, estou aqui... A verdade é que usei 75% de toda minha criatividade tentando convencê-lo. Só depois de oferecer-lhe boinhas de braço, esquecidas nos achados e perdidos, é que ele resolve entrar na piscina rasa.
Lá está ele, feliz, mas estático. Seu medo é tanto que parece não mover um músculo. Assim fica realmente difícil iniciar um salvamento, se nem o queixo ele emerge.
Tento animá-lo dançando macarena na borda da piscina, suas sobrancelhas até arqueiam, mas ainda não tenho subsídios suficientes para um salvamento.
Lembro de não-Ademar. Uma fogueira reacende dentro de meu peito e preciso, desesperadamente, iniciar um boca a boca. Olho para os lados, não vejo ninguém. Só o Sr Irene deitado numa espreguiçadeira alisando a própria barriga e brincando com seu umbigo cheio d’água.
Sento na borda da piscina e digo ao homem que irei fazer uma coisa muito bacana, bem mais divertida que Proust... Começo então a bater as pernas, criando ondas e uma montoeira de água no rosto dele. Agora sim, há um afogamento...
Me atiro na água com todo o estilo “salva-vidas” e o trago pelo pescoço. A piscina é muito rasa e eu me levanto e fico de pé. O homem, totalmente desorientado, se debate na água, sem conseguir se levantar. Com dificuldade o retiro da piscina.
O homem está estirado na borda, vomitando água e se debatendo. Me ajeito para o tão esperado boca a boca, puxo uma quantidade grande de ar para os meus pulmões, me preparo para a execução e... quando me aproximo, com todo meu empenho de guardiã de piscina, vejo uma situação altamente inesperada. Uma enorme meleca presa ao nariz, escorrendo pelas bochechas do homem. Hesito. Encho os pulmões novamente, e... não há possibilidade... o homem ainda parece não respirar direito... mas hoje, boca a boca, não vai rolar... sopro de longe e abano com as mãos...

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